Por vezes, ando perdido, "me encontrando em mim"...
Durante as inconstâncias do dia a
dia, quem nunca parou para respirar ou para tomar um fôlego? Quem nunca se
aquietou a fim de realinhar os rumos, e encontrar o tino certo para a
caminhada? Quem nunca buscou asilo momentâneo nos próprios pensamentos ou
serenou para buscar a paz interior, no intuito de lamber suas feridas? Quem nunca?
Nessas horas mais desamparadas, quando
a fadiga psicológica é enorme, não raro, eu sinto o cheiro da minha infância...
é quase infalível. Parece que o ato de “ausentar-me” do mundo, funciona como
uma espécie de cápsula do tempo, que me devolve aos primórdios da minha vida.
E não é ruim, muito pelo
contrário.
Penso que o estado meio
involuntário - embora consciente - de estar mais absorto, privilegia meus
sentidos, aguçando minha “memória olfativa”.
O olhar mais atento - ou desprovido de distrações - e o cotidiano como um todo, também são capazes de realizar essa magia. O café com leite, o sol queimando
na pele ou o frio das geadas grandes que costumam embelezar as manhãs aqui do
sul do sul...
O aroma das folhas de um caderno
ou de um livro novo... a chuva levantado a poeira das ruas, a umidade pairando
no ar...
Até mesmo as esquinas e as pedras das ruas,
caserios e calçadas, "bolichos" antigos... o campo, a terra, ranchos, galpões, taperas e potreiros... algumas paisagens antigas, que vislumbro e me fazem retroceder algumas centenas de anos (eu sei!).
Uma
pandorga solta ao vento, uma bicicleta antiga, cicatrizes (da matéria e do espírito), os quase extintos carrinhos de
rolimã: tudo isso me remete aos tempos de infância, no momento em que a
sensibilidade aflora! O encontro com antigas amizades, um mate que se acomodou bem da forma como alguém importante já cevou um dia, em tempos idos... um sorriso sincero, um abraço apertado, um dia cinzento...
Um gorjeio de pássaro, triste ou feliz, que entoa exatamente as mesmas notas que marcaram minha vida em algum distinto momento, lá longe no tempo...
Contudo, poucas coisas me trazem essa sensação tão boa e de forma tão intensa, quanto
os dias quentes, ensolarados e floridos da primavera.
Ah, o florescer da primavera, com seu
colorido perfumado, marcando mudanças profundas nos ânimos da natureza e do
nosso meio, gritando esperanças.
Tenho a impressão de que meus melhores dias de infância foram
vividos nessa estação. Memórias totalmente espontâneas, indescritíveis e inesperadas me vêm à
mente quando esses fatores peculiares e primaveris entram em cena. Uma grande parte
desses importantes - e simples - momentos que volto a desfrutar, está intimamente ligada a questões
familiares, detalhes singelos de paz, calmaria e ternura. E acreditem, não foram tantos
assim.
Talvez por isso eu valorize tanto
essa estação maravilhosa, que traz consigo o cio das descobertas, de novos
aromas e o despertar da coragem no corpo e na alma. Certamente é por isso que
o desabrochar das flores se faz tão especial aos meus olhos: minha infância talvez
não tenha sido tão fácil quanto a da maioria das crianças, mas eu acreditei nas
primaveras. Eu escolhi crescer e florescer! Eu preferi seguir os melhores
aromas, os caminhos mais esperançosos e iluminados. E ainda sigo em busca de tudo
isso.
Eu espero estar bem longe do
ocaso terreno das minhas primaveras, pois quero seguir olfateando minha infância a cada novo setembro, pois isso me
renova e revigora. Dessa forma, eu sei melhor de onde vim, os caminhos que
trilhei e tenho a possibilidade de relembrar as escolhas que fiz, mantendo
acesa a esperança e a constância de progredir.
É sempre um bálsamo perceber que,
apesar de tudo, a vida sempre guarda bons momentos, e que somos capazes de
revivê-los de alguma forma. Mesmo nas dificuldades, mesmo quando estamos diante
de obstáculos que parecem intransponíveis, ainda assim, haverá a primavera. Mesmo
que estejamos desguarnecidos pela nossa vulnerabilidade ou inocência, ou pela
nossa culpabilidade e prepotência, ainda assim, existirão as flores.
Isso, de fato, me conforta!
Seja bem vinda, primavera!