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terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O FIM



Já era outono novamente. Passaram-se cinco (ou seis?) estações de declínio das folhas, desde sua última grande publicação. Não a mais importante, nem a mais aclamada, mas aquela que parecia ter posto um ponto final em tudo. Depois que se decidira a não escrever nem uma “vírgula” que não considerasse como sendo de uma “intelectualidade admirável” ou quiçá fruto de uma raríssima inspiração, Antônio se transformara em terra árida para novas produções literárias. Experimentava, com angústia, uma fase nebulosa em sua carreira de escritor, a ponto de achar que passava por um período – interminável -  de castigo ou provação. Por mais que tentasse entender, não compreendia onde fora parar toda a sua criatividade.
          Com olhar e pensamento cansados  - embora muito investigativos - Antônio campeava algum assunto que pudesse ser realmente interessante ou, que pelo menos, principiasse uma boa narrativa. Algo que posteriormente se transformasse, de forma natural, em um grande sucesso aos olhos de seus leitores.
Naquele dia, como de costume, Antônio buscava esse momento mágico atravessando os vidros embaçados das janelas, rumo aos horizontes largos que não denunciavam – muito ao contrário disso - os limites e fronteiras de sua imponente estância, no interior do Rio Grande. Também, como de costume, acabara perdido em suas ideias e pensamentos, se perguntando porque diabos havia comprado uma propriedade tão grande.  Possuía mais ou menos umas trinta quadras de campo, com pelo menos uma dezena de prédios erguidos, entre casas e galpões.  Essa estrutura gigantesca tornou-se um grande problema, já que a velha “Estância Querência” não vivia mais seus tempos áureos. Por não ser mais tão produtiva como antigamente, os ganhos com o escritório e com seus livros, acabavam sendo utilizados em sua quase totalidade para única e exclusivamente socorrê-lo de sua completa inaptidão para os negócios rurais. E isso, obviamente, o atormentava.
Certamente, as coisas pioraram muito depois que seu “quase irmão” Genoíno, capataz e gerente, partiu desta pra uma melhor. O negro velho tomou uma rodada num zaino de sua própria doma. Coisa bem triste. Até hoje, ninguém sabe ao certo o que aconteceu. O fato, é que o corpo do gaúcho foi encontrado estendido em meio ao varzedo, num dos potreiros dos fundos. De certo, somente o tombo e o peso da morte rondando nas “casa”. Há quem diga que o destino do pobre homem foi selado num bote mal sucedido de cruzeira. Mas vai saber...
Depois do ocorrido, Antônio achou por bem vender o zaino, pois jamais conseguiria perdoar o animal que havia roubado a vida de seu melhor amigo... ainda que por acidente! Uma lástima... que pintura de flete!
Não, senhor... a estância não era a mesma. Antônio conseguira realizar o antigo sonho de seu pai, ao adquirir a propriedade. Porém, o velho Laurenciano faleceu bem antes disso. Antes até mesmo de se reconciliarem, pois o velho nunca aceitara a sua decisão de se tornar advogado. Sequer chegou a ver o filho fazer sucesso como escritor. Queria o único herdeiro cuidando dos negócios da família, que se resumiam a um pedacinho de terra, passado de geração para geração e lindeiro à tão sonhada “Estância Querência”.
Sempre que pensava nisso, Antônio sentia um misto de orgulho e de culpa, ao lembrar que o sonho do pai em adquirir os campos do vizinho era algo meio platônico. Em verdade, tinha quase que certeza de que o sempre rígido Laurenciano jamais pensara seriamente que algum dia pudesse realmente pisar naqueles campos como dono. Muito menos por intermédio de um filho que praticamente fugira das lidas de campo, do seio familiar, a fim de obter sucesso financeiro e prestígio, a todo custo. Por mais que tenha lutado, com o exercício da advocacia não conseguira dar os campos de presente a seu pai. Um desejo que, aliás, manteve sempre em segredo. Seu período de prosperidade somente aconteceu com o sucesso inesperado de seu primeiro livro, o que fez com que outros mais também vendessem muito. Contudo, em seu íntimo, Antônio saiba que a cada novo lançamento, um pouco de qualidade se perdia pelos caminhos... talvez entre a pressa da editora e a necessidade e urgência de provar seu talento . Tudo isso, permeado por algumas mudanças drásticas em sua vida.
Com o declínio de seu sucesso, acabou por ficar sozinho. Divorciou-se da mulher, o que lhe custou metade de tudo o que tinha. Por sorte, à época, tinha muito. Por sorte, não... por talento, mesmo. Mas e daí?
O único filho trilhou caminho semelhante ao seu: deixou a família e foi para a cidade grande (Rio de Janeiro), estudar e tentar êxito na carreira de ator. “Como o destino é traiçoeiro e irônico”, pensava Antônio, cada vez mais imerso nos desencontros de sua trajetória do que na tentativa de cunhar um novo livro. Mal via Renato... de vez em quando, recebia um telefonema ou mensagem, solicitando aquilo que o filho chamava de “suporte”, para poder deslanchar na profissão. Certamente, o apartamento, o carro do ano e a mesada mensal não eram suficientes para realização do projeto que o guri tinha em mente.
“Às vezes a vida é torturante”, pensava, entediado com tudo... e com todos.
          Precisava de um novo livro. Um único livro mais e conseguiria descansar com a certeza de que teria recursos suficientes para manter-se até o fim de seus dias, deixando ainda uma boa estrutura para o filho “artista”. Apenas mais um livro para garantir a plena sobrevivência da “Querência”.
Não há vida após a morte... se houvesse, depois de quase dez anos seu pai já teria voltado para reclamar de algo... e sua mãe, que morrera há mais de vinte, certamente estaria ao seu lado, lhe confortando dos tantos descaminhos percorridos.
          “Às vezes a vida é o fim e só”, resmungava baixinho...
          Certamente, muitos de seus pensamentos serviriam de farto sustento a um poeta. Mas Antônio não tinha esse dom. Adorava poesia, mas as rimas, as metáforas, as utopias e tudo o mais, não combinavam com sua maneira mais lógica e objetiva de escrever. Era um escritor, sorvendo o próprio ocaso.
          Em algum momento, não muito distante, chegaria o Natal...
        Ao lembrar-se disso, uma lágrima correu na face, pelos tantos natais que desejou comemorar em família, com sorrisos fartos, abraços apertados e churrasco gordo para indeléveis confraternizações, mas que por algum motivo, nunca teve.
        Sim... algo se perdeu pelas estradas. E não foi somente a criatividade. Algo mais profundo deixou de acontecer, algo mais intenso deixou de ser vivido.
          Via o tempo lhe chamar pela vidraça, rumo aos campos de outros dias...
         O vento, um minuano eterno, soprava, como a querer embalar a alma, amenizando agruras, oferecendo alento.
        Não havia mais tempo para seu filho. Nem mais um telefone! A velha “Estância Querência” lhe abrigava o corpo pela última vez.
          Um último suspiro, uma última transpiração... uma tomada de fôlego, para respirar o aroma silvestre da campanha pela derradeira vez...
           Sem ano-novo, sem novo livro... sem velha vida!
        Uma outra lágrima, pelo prenúncio dos avisos em placas e jornais, indicando um número de telefone no Rio de Janeiro, que serviria de contato para realização da venda da sua “Querência”...
          Nenhum abraço de pai, sem aconchegos de mãe. Sem reconciliações. Simplesmente partir, encerrando sua própria história, sua literatura real, sem direito a opinar ou intervir no fim.
          De mágico mesmo, somente um velho moinho, que de há muito não girava... e girou!
          O minuano soprou, se intrometendo por frestas e, curiosamente, folhando as páginas do primeiro livro de Antônio, que encontrava-se aberto sobre a mesa, onde tudo começou.
         Talvez por maldade, tenha folhado até a última página, onde podia-se ler, em letras destacadas, o seguinte dizer: O FIM!     


segunda-feira, 9 de novembro de 2015

SILÊNCIOS DE BARRO E PEDRA



SILÊNCIOS DE BARRO E PEDRA

Nestes silêncios de barro e pedra
Pelos "adentros" de mim, padeço...
Há na incerteza, que vinga e medra
Talvez a  herança do que mereço!
...Teus sinos calam, verdade e espera
Que são a história, assim, do avesso...
Em teus guardados, os memoriais
Contam a senda dos ancestrais
Gritam o passado, a cobrar seu preço...

Os caserios desses joões-barreiros
- Fortins erguidos com pena e suor
São como os sonhos de tantos “guerreiros”
Que de sua alma, deram o melhor...
Guardam anseios, de quem primeiro
Fez desta pampa, um lugar maior...
Pontas de lanças e imagens tantas
São testemunhas, nesta terra santa
De uma luta insana, que semeou a dor...

Entre os umbrais que te permeiam
Escuto vozes... em tons de conselhos!                    
Pra o índio incréu, meros devaneios
Mas eu sei que a elas me assemelho...
Sou como as almas, que aqui andejam
- Irmãs antigas, deste chão vermelho!
Sempre fui terra, entre várias vidas...
Ao retornar agora, pra lamber feridas
Minhas memórias, me põem de joelhos!

Ainda marcado pelas circunstâncias
Eu jamais vergo nestes descaminhos!
Peão sem chão, não tenho estância
Nem sou afeito a muitos carinhos...
Mas guardo minha fé, nesta constância
De buscar meu “eu” e mover moinhos...
Tenho a firmeza das tuas paredes
Em tuas entranhas, mato minha sede
Espírito livre, que retorna ao ninho!

Nestes silêncios, de barro e pedra
O dia cansa e, enfim, adormece...
E quando de novo, ele encantar a lua
Talvez o sol ainda me encontre em prece...

Respiro a magia em tua fortaleza
Quantos “Sepés”... e quantos avós!
Sei que sou parte da tua natureza
Mesmo em ruínas, não me sinto só...
Gritam os de antes, não há voz presa
Hei de orgulhar-me de voltar ao pó!
Nesta simbiose entre homem e terra
Me alimento do que em ti encerras
E o coração já se desfaz dos nós...

Braços me abraçam... vejo a cruz silente
Há sal nos olhos, a nublar-me o olhar
Há o tempo algoz, que não se ressente
Das dores que trago... deste meu pesar
O solo sangra, o Homem ainda mente
Sobre o que os livros não irão contar...
Não há limites para os sentimentos
Nem para as razões que pateiam dentro
De quem traz Missões no seu andejar...

Minh’ alma índia, rompeu as fronteiras
Buscando a benção no chão guarani...
Linhagem “gaucha”, estirpe guerreira
Alma de campo, a liberdade em si!
Seguiu o grito das vozes campeiras
E de todo sagrado, que emana de ti!
Me fiz coragem pra singrar querência
Atendi apelos de minha consciência
Sei bem quem sou e ao que sobrevivi!

Nestes silêncios, de barro e pedra
Ecoam missais - e minha oração
... sem boleadeiras – mas pronto pra guerra
A esperança me estendeu a mão

Quero em teu barro, poder renascer
E em tuas pedras, ter meu alicerce
Sei que um novo tempo irá acontecer
Onde o amanhã, ao ontem reconhece...
De tanto ver a pampa amanhecer
Aprendi que à noite, as dores recrudescem...
...mas sonho caciques juntando-se a mim
Prá um novo embate, que bem lá no fim
Reescreverá meu Sul, como ele merece!

... quem sabe os sinos, algum dia, à frente
Vão além das vozes que ninguém traduz...
E gritem à pampa, o que a tua semente
Deixou de legado, aos olhos da Cruz
E de novo dobrem, pela nossa gente
Que ainda sonha um tempo de luz!
A todos fascina este povo lendário
Que bradou coragem pelos campanários
E que ao próprio tempo, até hoje seduz...

Nestes silêncios, de pedra e barro
Há um ritual de entrega, onde me fortaleço
Vendo o que prezo e que me é tão caro
Sei que a justiça errou de endereço!
Ao meu povo índio, hoje me agarro                       
E a ele dedico minha reza em terço
Fecho meus olhos – já não há rancor
Aceito a “cruzada” sem nenhum temor
Deixo a matéria e, enfim, adormeço!

Poema: Caine Teixeira Garcia

Amadrinhador: Zulmar Benitez
Intérprete: Jair Silveira




quarta-feira, 4 de novembro de 2015

A IMINENTE CATÁSTROFE CULTURAL

Todos sabem que sou um defensor dos CTG's, dos movimentos tradicionalistas, ainda que com várias ressalvas. Assim, reforçando essa ideia, afimo que a questão do "tu" e "você", embora pareça um assunto simplório, pode ser vista como um sinônimo de aculturamento. Esse me parece o motivo mais direto e impactante para o fato de que, cada vez menos, tenhamos gaúchos utilizando o "tu". Bobagem?Cito: Bagé, por exemplo, já foi uma cidade de grandes atividades tradicionalistas, com um CTG em cada canto, cada um deles com  invernadas que iam da fase mirim até a xirua, com atividades diversas, onde se disseminava o "tu", em nosso dialeto tão próprio. E hoje? Bom, hoje pouco temos disso, cada vez menos temos essa convivência com nossa cultura e nosso linguajar antes soberano. As pessoas têm acesso às nossas coisas em segundo - ou terceiro - plano. Acabamos com as invernadas, com as domingueiras, com os churrascos em CTG's aos domingos, com os bailes pilchados. Ou seja, deixamos que a cultura externa viesse invadir nossa "praia". Sempre haverá discussão quanto a essa cultura "cetegeana", suas verdades, seus exageros e tudo mais. Mas o fato, é que nossas crianças e jovens são bombardeadas hoje em dia por uma enorme gama de culturas externas e alheias ao que estamos acostumados, que chegam via smartphones, computadores, iphones e sei lá mais o quê. Enquanto isso, não conseguimos construir atrativos suficientes para que eles possam aderir ao que é nosso, para que possam seguir cultuando algo que é lindo e que eu, particularmente, tenho orgulho de saber que é cria destes pagos. Então, na verdade, o "tu" talvez seja somente o começo. Do fim. Assim como o aquecimento global avisa sobre futuras catástrofes climáticas, o abandono do "tu" avisa sobre uma iminente catástrofe cultural




sexta-feira, 30 de outubro de 2015

TRAVESSIA - O LIVRO - À VENDA!

Adquira o livro "Travessia", uma coletânea de versos regionais e universais, realizada com comprometimento com nossa cultura, carinho e capricho, apesar de todas as adversidades impostas para os que desejam investir em cultura nos dias atuais. 
As aquisições podem ser feitas das seguintes formas:
Pelo telefone (53) 99714789;
Pelo e-mail pampa-fronteira@hotmail.com
Pelo facebook: Caine Teixeira Garcia ou Travessia.

Grato, um abraço!


sábado, 17 de outubro de 2015

O AÇUCAREIRO VAZIO



Levanto cedo, com aquela velha preguiça de final de semana. São anos a fio acordando às seis da manhã, ou um pouquinho mais tarde, na velha rotina de quem labuta diariamente.

Geralmente a patroa e as crias também estão nessa, mas hoje é sábado, dia em que todos nós, via de regra, folgamos. A diferença é que o serviço tem andado à galope e tenho que por algumas tarefas em dia...então, “bora” trabalhar.

Banho, escovar os dentes, passar uma roupa, etc, etc.

Resolvo tomar um café, algo raro, do qual não sou adepto. Não de manhã cedo.

Água quente, Nescafé (não é propaganda, gosto mesmo) e...açúcar? Putz!

Me deparo com o açucareiro VAZIO. Que frustração. Que indignação. Porque alguém usa o açúcar e, ao perceber que não deixou nada para os demais, não repõe?

Mas que barbaridade! Me estresso. Busco um pote grande, onde fica armazenado este item tão doce, com minha alma repleta de amargura.

Parece que sempre sou contemplado com essas coisas... mas que droga! – penso eu.

Isso é como tomar leite e não repor na geladeira, ou usar a água e deixar lá só um restinho, no finzinho, que mal dá pra encher o fundo de um copo.

Não consigo tirar da cabeça que isso só pode ser sacanagem! Pra que fazer isso?

Faço o meu café e também não reponho o açúcar. E ainda penso: tá loco... alguém que vá fazer isso. Sempre eu?

Saio para o serviço esbravejando sozinho e matutando sobre a questão. Pensando na falta de consideração existente no fato de alguém usar o açúcar e não repor. Defino como um egoísmo, simples assim.

Fico um tanto satisfeito de também não ter enchido o açucareiro. Afinal, se eu tive o “trabalho” de ir “lá no pote” pegar o açúcar, outro que também o tenha, oras.

Enfim. Chego na firma e trabalho, trabalho, trabalho... normal. Esqueço o assunto. Trabalho, trabalho, trabalho.

Passadas algumas horas, com as tarefas do dia finalizadas, cabeça cansada e voltando os pensamentos para outras coisas do cotidiano, me lembro do episódio: o açucareiro vazio.

Em segundos, experimento o arrependimento. Em instantes, percebo minha infantilidade. Na hora, noto o quanto pude ser fútil.

Ainda que alguém possa encontrar meios filosóficos para interpretar o fato, a realidade é só uma: o fato está relacionado à minha família, às pessoas que me são caras, que me amam e que estão comigo todos os dias de minha vida, para o que der e vier.

Ao lembrar de minha atitude, não me reconheço. Agi como um boçal, alguém tratando com inimigos, com desafetos...

Como pude ser tão exaltado, orgulhoso e egoísta? Certamente ninguém deixou o açucareiro vazio com “más intenções” ou a título de pegadinha, ou querendo ver eu “me ferrar” enchendo um potinho.

Como pude ser tão ridículo? Como algo tão irrelevante pôde ocupar tanto espaço em minha mente, existindo coisas tão mais nobres e inteligentes para se pensar?

Como pude perder a oportunidade de servir aos meus? Sim, servir, de uma maneira insignificante, mas servir. Fazer minha parte. Eu tinha que ter colocado o açúcar no seu devido lugar, assim como minha arrogância, prepotência e egoísmo.

Afinal, até isso é demonstração de amor. Para alguém como eu, que já é meio tosco em termos de demonstração de afeto, É OBRIGATÓRIO que eu SEMPRE encha o açucareiro. Que eu reponha o leite e água. Que eu valorize mais e mais os aspectos positivos de minha família, sem dar relevância ao que simplesmente é irrelevante.

Que bobagem, não?

Não sei quantas pessoas passam por momentos assim, completamente sem sentido. Isso são armadilhas do dia a dia, por incrível que pareça. Quem tem tendências a ser mais estressado, deve se policiar, pois está, certamente, mais sujeito a cometer erros grotescos como esse.

Que vergonha. Naquele momento, não era o açucareiro que estava vazio... era eu. Vazio de bondade, de humildade, de amor, de parceria.

Sou um tolo legítimo. Às vezes sou assim. E só por aguentarem alguém tão  “sem noção”, meus familiares e amigos já merecem que eu deva SEMPRE completar o açucareiro.

Daqui a pouco volto pra casa, mulher e filhos sorridentes, almoço pronto, feito no capricho e com carinho. À mesa, todos ávidos de contar novidades e atividades da semana, esbanjando afeição... planejamentos. Todos buscando agradar a todos. Clima ameno e salutar. Coisas importantes. Afeto. Amor.

Sentimento de culpa resume esse momento de reflexão.

Quantas e quantas vezes o açucareiro esteve cheio, repleto de açúcar ao meu dispor? Entre outras tantas e tantas e tantas coisas?

O fato é bobo, meio surreal, eu sei. Mas acredito que existe uma forte lição em seu contexto.

Vou voltar correndo pra casa e tratar logo de por açúcar no açucareiro. Tenho que me retratar. Necessito consertar isso.

E, se por acaso alguém já tiver feito essa tarefa, vou dar-lhe um beijo, um abraço, agradecer, pedir desculpas e me comprometer de manter o açucareiro cheio, sempre que for possível. Sem que haja exigências, sem que sejam necessárias cobranças, sem reclamações.

E vou fazê-lo com prazer.

Um açucareiro vazio espera um simples ato de amor, que adoçará a reciprocidade e o carinho em um café saboroso, em um sorriso de cumplicidade, em um abraço de quem nos quer bem.

Adeus açucareiro vazio.

Obrigado pela lição!