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sexta-feira, 22 de setembro de 2017

O CHEIRO DA INFÂNCIA




Por vezes, ando perdido, "me encontrando em mim"...

Durante as inconstâncias do dia a dia, quem nunca parou para respirar ou para tomar um fôlego? Quem nunca se aquietou a fim de realinhar os rumos, e encontrar o tino certo para a caminhada? Quem nunca buscou asilo momentâneo nos próprios pensamentos ou serenou para buscar a paz interior, no intuito de lamber suas feridas? Quem nunca?

Nessas horas mais desamparadas, quando a fadiga psicológica é enorme, não raro, eu sinto o cheiro da minha infância... é quase infalível. Parece que o ato de “ausentar-me” do mundo, funciona como uma espécie de cápsula do tempo, que me devolve aos primórdios da minha vida.

E não é ruim, muito pelo contrário.

Penso que o estado meio involuntário - embora consciente - de estar mais absorto, privilegia meus sentidos, aguçando minha “memória olfativa”.

O olhar mais atento - ou desprovido de distrações - e o cotidiano como um todo, também são capazes de realizar essa magia. O café com leite, o sol queimando na pele ou o frio das geadas grandes que costumam embelezar as manhãs aqui do sul do sul...

O aroma das folhas de um caderno ou de um livro novo... a chuva levantado a poeira das ruas, a umidade pairando no ar...

Até mesmo as esquinas e as pedras das ruas, caserios e calçadas, "bolichos" antigos... o campo, a terra, ranchos, galpões, taperas e potreiros... algumas paisagens antigas, que vislumbro e me fazem retroceder algumas centenas de anos (eu sei!).
Uma pandorga solta ao vento, uma bicicleta antiga, cicatrizes (da matéria e do espírito), os quase extintos carrinhos de rolimã: tudo isso me remete aos tempos de infância, no momento em que a sensibilidade aflora! O encontro com antigas amizades, um mate que se acomodou bem da forma como alguém importante já cevou um dia, em tempos idos... um sorriso sincero, um abraço apertado, um dia cinzento...
Um gorjeio de pássaro, triste ou feliz, que entoa exatamente as mesmas notas que marcaram minha vida em algum distinto momento, lá longe no tempo...
Contudo, poucas coisas me trazem essa sensação tão boa e de forma tão intensa, quanto os dias quentes, ensolarados e floridos da primavera.

Ah, o florescer da primavera, com seu colorido perfumado, marcando mudanças profundas nos ânimos da natureza e do nosso meio, gritando esperanças. 
Tenho a impressão de que meus melhores dias de infância foram vividos nessa estação. Memórias totalmente espontâneas, indescritíveis e inesperadas me vêm à mente quando esses fatores peculiares e primaveris entram em cena. Uma grande parte desses importantes - e simples - momentos que volto a desfrutar, está intimamente ligada a questões familiares, detalhes singelos de paz, calmaria e ternura. E acreditem, não foram tantos assim.

Talvez por isso eu valorize tanto essa estação maravilhosa, que traz consigo o cio das descobertas, de novos aromas e o despertar da coragem no corpo e na alma. Certamente é por isso que o desabrochar das flores se faz tão especial aos meus olhos: minha infância talvez não tenha sido tão fácil quanto a da maioria das crianças, mas eu acreditei nas primaveras. Eu escolhi crescer e florescer! Eu preferi seguir os melhores aromas, os caminhos mais esperançosos e iluminados. E ainda sigo em busca de tudo isso.

Eu espero estar bem longe do ocaso terreno das minhas primaveras, pois quero seguir olfateando minha infância a cada novo setembro, pois isso me renova e revigora. Dessa forma, eu sei melhor de onde vim, os caminhos que trilhei e tenho a possibilidade de relembrar as escolhas que fiz, mantendo acesa a esperança e a constância de progredir.

É sempre um bálsamo perceber que, apesar de tudo, a vida sempre guarda bons momentos, e que somos capazes de revivê-los de alguma forma. Mesmo nas dificuldades, mesmo quando estamos diante de obstáculos que parecem intransponíveis, ainda assim, haverá a primavera. Mesmo que estejamos desguarnecidos pela nossa vulnerabilidade ou inocência, ou pela nossa culpabilidade e prepotência, ainda assim, existirão as flores.

Isso, de fato, me conforta!

Seja bem vinda, primavera!