Eu hoje chorei. Simples assim. Mas nem tanto.
Chorei igual a muitos amigos e desconhecidos, que,
como eu, ainda possuem um senso mínimo de humanidade no peito e na alma.
Chorei hoje, pelo mesmo motivo de ontem: a morte de
um menininho. A morte de um anjo. E quando escrevo anjo, é acreditando no
sentido da palavra.
Não se trata de uma morte “comum” (se é que isso e
possível), mas sim, de uma morte cruel, agonizante, desumana e inacreditável, que
parece ter abalado o nosso mundo globalizado, que vem fazendo pouco caso do que
está acontecendo com aquela parte do planeta... e outras tantas.
É definitivamente chocante a imagem daquela criança
de três anos, na areia, como se fosse um lixo, um animal qualquer... e não que
seja menos triste ou desumano deixar um animal morrer daquele jeito. Mas
estamos falando de um ser humano, ainda repleto de inocência pura.
Mesmo procurando e apontando culpados, o mundo sabe
de quem é a culpa.
Sim, ele sabe que a culpa é sua. Única e
exclusivamente.
De há muito não se via uma imagem tão impactante...
aliás, acho que igual a essa, eu nunca havia visto. Tão direta, tocando tão
fundo na alma, na consciência.
Coincidentemente, um dia antes, eu olhava com meus
filhos algumas fotos onde eu ofertava meu colo a eles, quando ainda eram bem menores.
Desse jeito, dormíamos, no conforto de nosso lar e na paz que Deus nos permite
ter, até hoje. Porque nossos problemas são nada se comparados aos que esses
nossos irmãos atravessam.
Sim, meus amigos, eu chorei com vontade.
Contudo, a julgar pela comoção que tenho visto e
acompanhado em redes sociais, jornais, sites e afins, aquela imagem não condiz
com o pensamento fraterno e de solidariedade da maioria. Mas eu me pergunto:
que maioria é essa? Como somos capazes de permitir que algo assim aconteça?
Somos maioria mesmo? Como países poderosos da Europa veem essa situação sem
tomar uma atitude, mínima que seja, para impedir tais fatalidades?
De que serve a educação e riqueza de uma Alemanha, por
exemplo, se ninguém faz nada para ajudar
de verdade aos seus iguais?
Que mundo é esse com o qual compactuamos?
Para piorar, essa morte que hoje nos parece tão
mais desconfortante do que outras milhares sobre as quais temos notícias todos
os dias, é somente a ponta de um iceberg de cuja existência todos têm
conhecimento, mas sobre o qual evitam tomar atitudes fortes e reais de
interesse humanitário.
É inevitável que eu fique me perguntando porque
seres inocentes e puros tem que ser as vítimas de uma barbárie assim, enquanto os
verdadeiros culpados por tamanhos absurdos permanecem ceifando vidas e
praticando o mal por tempo totalmente indeterminado e, via de regra, impunes.
Chorei muito ao ver aquela criancinha inerte na
areia. E tenho certeza que o mar, ao seu jeito, também está sofrendo por ver-se
envolvido em tamanha tragédia. A natureza não se presta a esse tipo de desserviço.
O Homem sim.
Chorei pela lembrança de tantas e tantas crianças e
adultos que morrem tão absurdamente quanto aquele menininho, em nosso país, em
nosso estado, em nossa cidade... em nosso bairro. Também vitimados pela falta
de humanidade.
Chorei pelo pai dela, que certamente haverá de
conviver com uma dor sobre a qual ninguém jamais poderá, sequer, aproximar-se
de entender a real dimensão.
Chorei pelos sonhos que ficaram ali e que não mais
serão realizados... pequenos sonhos, ainda... talvez um brinquedinho melhor, um
abraço mais carinhoso, um lanche mais gostoso, um colo em segurança... uma vida
menos sofrida... um dia de sol ou somente a oportunidade de seguir sorrindo,
correndo e brincando, ainda que precariamente. Somente isso, talvez.
Chorei pela minha inutilidade, pela minha
impotência diante de situações como essas.
Chorei de raiva. De desespero. De dor. De tristeza.
Chorei de vergonha.
Somos verdadeiramente incapazes de nos vermos e nos
tratarmos como irmãos. Isso é fato. E desse fato, decorrem mortes e absurdos
iguais a esses, que afrontam o real sentido de humanidade, fraternidade, amor e
compaixão...
Aquela imagem é dura demais. E não sai da minha
cabeça. Fico pensando naquele anjinho com frio, assustado, desamparado, a
espera de ajuda para si e para sua família... e me deparo com o que foi feito
de suas esperanças... e das esperanças dos seus.
Como a vida pode ser tão cruel? Nesse caso, vou por
na nossa conta. Na conta da humanidade.
Quanto tempo irá durar essa comoção, à nível
mundial? Será que essa morte trágica e essa imagem triste serão suficientes para fazer
movimentarem-se as peças que devem agir, a fim de dar um basta a tudo isso? Com
certeza não. Muitos umbigos tornaram-se maiores do que o interesse coletivo,
estão acima daquilo que deveria realmente importar.
Infelizmente, coisas piores certamente escapam aos
olhos do mundo que as deveria ver. E o lado obscuro desse mundo, faz vista grossa.
Não há como falar nesse assunto de forma leve,
porque o conteúdo e pesadíssimo. E tenho a impressão de que ele acabará caindo no esquecimento, como um outro assunto qualquer. E isso é ainda
mais triste.
Os olhos que vidram meus filhos estão marejados.
Deus abençoe aquele anjinho. Deus nos faça melhores
e nos permita a ação em auxílio do próximo, sempre que pudermos. Que tenhamos energia para isso. Que possamos
contribuir de alguma forma para tornar a vida de alguém melhor.
Eu chorei sim. E hei de chorar sempre que lembrar
daquela imagem, sobre a qual não pude fazer nada. E sobre a qual, com certeza,
também tenho uma parcela de culpa.
Vou orar pelo menino, pela família, pelo pai... e por tantos outros que ainda estão sofrendo por essa incapacidade que o ser humano possui de ajudar ao seu próximo, mesmo sabendo que isso pode custar vidas. E vou agradecer pela segurança de minha família. Mas não sem um sentimento de culpa.