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sábado, 17 de outubro de 2015

O AÇUCAREIRO VAZIO



Levanto cedo, com aquela velha preguiça de final de semana. São anos a fio acordando às seis da manhã, ou um pouquinho mais tarde, na velha rotina de quem labuta diariamente.

Geralmente a patroa e as crias também estão nessa, mas hoje é sábado, dia em que todos nós, via de regra, folgamos. A diferença é que o serviço tem andado à galope e tenho que por algumas tarefas em dia...então, “bora” trabalhar.

Banho, escovar os dentes, passar uma roupa, etc, etc.

Resolvo tomar um café, algo raro, do qual não sou adepto. Não de manhã cedo.

Água quente, Nescafé (não é propaganda, gosto mesmo) e...açúcar? Putz!

Me deparo com o açucareiro VAZIO. Que frustração. Que indignação. Porque alguém usa o açúcar e, ao perceber que não deixou nada para os demais, não repõe?

Mas que barbaridade! Me estresso. Busco um pote grande, onde fica armazenado este item tão doce, com minha alma repleta de amargura.

Parece que sempre sou contemplado com essas coisas... mas que droga! – penso eu.

Isso é como tomar leite e não repor na geladeira, ou usar a água e deixar lá só um restinho, no finzinho, que mal dá pra encher o fundo de um copo.

Não consigo tirar da cabeça que isso só pode ser sacanagem! Pra que fazer isso?

Faço o meu café e também não reponho o açúcar. E ainda penso: tá loco... alguém que vá fazer isso. Sempre eu?

Saio para o serviço esbravejando sozinho e matutando sobre a questão. Pensando na falta de consideração existente no fato de alguém usar o açúcar e não repor. Defino como um egoísmo, simples assim.

Fico um tanto satisfeito de também não ter enchido o açucareiro. Afinal, se eu tive o “trabalho” de ir “lá no pote” pegar o açúcar, outro que também o tenha, oras.

Enfim. Chego na firma e trabalho, trabalho, trabalho... normal. Esqueço o assunto. Trabalho, trabalho, trabalho.

Passadas algumas horas, com as tarefas do dia finalizadas, cabeça cansada e voltando os pensamentos para outras coisas do cotidiano, me lembro do episódio: o açucareiro vazio.

Em segundos, experimento o arrependimento. Em instantes, percebo minha infantilidade. Na hora, noto o quanto pude ser fútil.

Ainda que alguém possa encontrar meios filosóficos para interpretar o fato, a realidade é só uma: o fato está relacionado à minha família, às pessoas que me são caras, que me amam e que estão comigo todos os dias de minha vida, para o que der e vier.

Ao lembrar de minha atitude, não me reconheço. Agi como um boçal, alguém tratando com inimigos, com desafetos...

Como pude ser tão exaltado, orgulhoso e egoísta? Certamente ninguém deixou o açucareiro vazio com “más intenções” ou a título de pegadinha, ou querendo ver eu “me ferrar” enchendo um potinho.

Como pude ser tão ridículo? Como algo tão irrelevante pôde ocupar tanto espaço em minha mente, existindo coisas tão mais nobres e inteligentes para se pensar?

Como pude perder a oportunidade de servir aos meus? Sim, servir, de uma maneira insignificante, mas servir. Fazer minha parte. Eu tinha que ter colocado o açúcar no seu devido lugar, assim como minha arrogância, prepotência e egoísmo.

Afinal, até isso é demonstração de amor. Para alguém como eu, que já é meio tosco em termos de demonstração de afeto, É OBRIGATÓRIO que eu SEMPRE encha o açucareiro. Que eu reponha o leite e água. Que eu valorize mais e mais os aspectos positivos de minha família, sem dar relevância ao que simplesmente é irrelevante.

Que bobagem, não?

Não sei quantas pessoas passam por momentos assim, completamente sem sentido. Isso são armadilhas do dia a dia, por incrível que pareça. Quem tem tendências a ser mais estressado, deve se policiar, pois está, certamente, mais sujeito a cometer erros grotescos como esse.

Que vergonha. Naquele momento, não era o açucareiro que estava vazio... era eu. Vazio de bondade, de humildade, de amor, de parceria.

Sou um tolo legítimo. Às vezes sou assim. E só por aguentarem alguém tão  “sem noção”, meus familiares e amigos já merecem que eu deva SEMPRE completar o açucareiro.

Daqui a pouco volto pra casa, mulher e filhos sorridentes, almoço pronto, feito no capricho e com carinho. À mesa, todos ávidos de contar novidades e atividades da semana, esbanjando afeição... planejamentos. Todos buscando agradar a todos. Clima ameno e salutar. Coisas importantes. Afeto. Amor.

Sentimento de culpa resume esse momento de reflexão.

Quantas e quantas vezes o açucareiro esteve cheio, repleto de açúcar ao meu dispor? Entre outras tantas e tantas e tantas coisas?

O fato é bobo, meio surreal, eu sei. Mas acredito que existe uma forte lição em seu contexto.

Vou voltar correndo pra casa e tratar logo de por açúcar no açucareiro. Tenho que me retratar. Necessito consertar isso.

E, se por acaso alguém já tiver feito essa tarefa, vou dar-lhe um beijo, um abraço, agradecer, pedir desculpas e me comprometer de manter o açucareiro cheio, sempre que for possível. Sem que haja exigências, sem que sejam necessárias cobranças, sem reclamações.

E vou fazê-lo com prazer.

Um açucareiro vazio espera um simples ato de amor, que adoçará a reciprocidade e o carinho em um café saboroso, em um sorriso de cumplicidade, em um abraço de quem nos quer bem.

Adeus açucareiro vazio.

Obrigado pela lição!


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