Levanto cedo, com aquela velha
preguiça de final de semana. São anos a fio acordando às seis da manhã, ou um
pouquinho mais tarde, na velha rotina de quem labuta diariamente.
Geralmente a patroa e as crias
também estão nessa, mas hoje é sábado, dia em que todos nós, via de regra,
folgamos. A diferença é que o serviço tem andado à galope e tenho que por
algumas tarefas em dia...então, “bora” trabalhar.
Banho, escovar os dentes, passar
uma roupa, etc, etc.
Resolvo tomar um café, algo raro,
do qual não sou adepto. Não de manhã cedo.
Água quente, Nescafé (não é
propaganda, gosto mesmo) e...açúcar? Putz!
Me deparo com o açucareiro VAZIO.
Que frustração. Que indignação. Porque alguém usa o açúcar e, ao perceber que
não deixou nada para os demais, não repõe?
Mas que barbaridade! Me estresso.
Busco um pote grande, onde fica armazenado este item tão doce, com minha alma repleta
de amargura.
Parece que sempre sou contemplado
com essas coisas... mas que droga! – penso eu.
Isso é como tomar leite e não
repor na geladeira, ou usar a água e deixar lá só um restinho, no finzinho, que
mal dá pra encher o fundo de um copo.
Não consigo tirar da cabeça que
isso só pode ser sacanagem! Pra que fazer isso?
Faço o meu café e também não
reponho o açúcar. E ainda penso: tá loco... alguém que vá fazer isso. Sempre
eu?
Saio para o serviço esbravejando sozinho
e matutando sobre a questão. Pensando na falta de consideração existente no
fato de alguém usar o açúcar e não repor. Defino como um egoísmo, simples
assim.
Fico um tanto satisfeito de
também não ter enchido o açucareiro. Afinal, se eu tive o “trabalho” de ir “lá
no pote” pegar o açúcar, outro que também o tenha, oras.
Enfim. Chego na firma e trabalho,
trabalho, trabalho... normal. Esqueço o assunto. Trabalho, trabalho, trabalho.
Passadas algumas horas, com as
tarefas do dia finalizadas, cabeça cansada e voltando os pensamentos para
outras coisas do cotidiano, me lembro do episódio: o açucareiro vazio.
Em segundos, experimento o
arrependimento. Em instantes, percebo minha infantilidade. Na hora, noto o
quanto pude ser fútil.
Ainda que alguém possa encontrar
meios filosóficos para interpretar o fato, a realidade é só uma: o fato está
relacionado à minha família, às pessoas que me são caras, que me amam e que
estão comigo todos os dias de minha vida, para o que der e vier.
Ao lembrar de minha atitude, não
me reconheço. Agi como um boçal, alguém tratando com inimigos, com desafetos...
Como pude ser tão exaltado,
orgulhoso e egoísta? Certamente ninguém deixou o açucareiro vazio com “más
intenções” ou a título de pegadinha, ou querendo ver eu “me ferrar” enchendo um
potinho.
Como pude ser tão ridículo? Como
algo tão irrelevante pôde ocupar tanto espaço em minha mente, existindo coisas
tão mais nobres e inteligentes para se pensar?
Como pude perder a oportunidade
de servir aos meus? Sim, servir, de uma maneira insignificante, mas servir. Fazer
minha parte. Eu tinha que ter colocado o açúcar no seu devido lugar, assim como
minha arrogância, prepotência e egoísmo.
Afinal, até isso é demonstração
de amor. Para alguém como eu, que já é meio tosco em termos de demonstração de
afeto, É OBRIGATÓRIO que eu SEMPRE encha o açucareiro. Que eu reponha o leite e
água. Que eu valorize mais e mais os aspectos positivos de minha família, sem
dar relevância ao que simplesmente é irrelevante.
Que bobagem, não?
Não sei quantas pessoas passam
por momentos assim, completamente sem sentido. Isso são armadilhas do dia a
dia, por incrível que pareça. Quem tem tendências a ser mais estressado, deve
se policiar, pois está, certamente, mais sujeito a cometer erros grotescos como
esse.
Que vergonha. Naquele momento,
não era o açucareiro que estava vazio... era eu. Vazio de bondade, de
humildade, de amor, de parceria.
Sou um tolo legítimo. Às vezes
sou assim. E só por aguentarem alguém tão “sem noção”, meus familiares e amigos já
merecem que eu deva SEMPRE completar o açucareiro.
Daqui a pouco volto pra casa,
mulher e filhos sorridentes, almoço pronto, feito no capricho e com carinho. À mesa,
todos ávidos de contar novidades e atividades da semana, esbanjando afeição... planejamentos.
Todos buscando agradar a todos. Clima ameno e salutar. Coisas importantes.
Afeto. Amor.
Sentimento de culpa resume esse
momento de reflexão.
Quantas e quantas vezes o açucareiro
esteve cheio, repleto de açúcar ao meu dispor? Entre outras tantas e tantas e
tantas coisas?
O fato é bobo, meio surreal, eu
sei. Mas acredito que existe uma forte lição em seu contexto.
Vou voltar correndo pra casa e
tratar logo de por açúcar no açucareiro. Tenho que me retratar. Necessito
consertar isso.
E, se por acaso alguém já tiver
feito essa tarefa, vou dar-lhe um beijo, um abraço, agradecer, pedir desculpas
e me comprometer de manter o açucareiro cheio, sempre que for possível. Sem que
haja exigências, sem que sejam necessárias cobranças, sem reclamações.
E vou fazê-lo com prazer.
Um açucareiro vazio espera um
simples ato de amor, que adoçará a reciprocidade e o carinho em um café
saboroso, em um sorriso de cumplicidade, em um abraço de quem nos quer bem.
Adeus açucareiro vazio.
Obrigado pela lição!