O caso do garoto que teve sua
testa tatuada com a frase “sou ladrão e vacilão”, é surreal. Tanto pela
brutalidade do ato praticado, quanto pelo lado das reações da sociedade à
situação.
Confesso que custei um pouco a
assimilar o fato, e emitir uma opinião é quase como cair numa “pegadinha”,
tendo em vista a insegurança que nos cerca, que nos oprime e nos ameaça em
nosso cotidiano. Algo do tipo, e se fosse contigo?
Pois é, faz a gente refletir. Mas,
se fosse comigo, certamente eu não teria aquele atitude covarde, não teria
praticado tal prevalecimento, coisas que a gente só vê serem feitas por indivíduos
que atuam em organizações criminosas.
Não há como se afastar dos fatos
e do que efetivamente ocorreu: a prática de um crime. E não falo aqui da suposta
tentativa de furto da bicicleta, mas sim do ato praticado pelo tatuador e seu
cúmplice. Sim, exatamente. O que os dois supostos “novos heróis” fizeram é
crime. Simples assim. Basicamente, tortura. Além de outras práticas indecentes e
penduricalhos criminais que podem ser acostados ao fato.
Existe uma larga diferença entre
legítima defesa e o que os dois “cidadãos” fizeram ao rapaz. Justiça com as próprias mãos? Com certeza,
não. Um ato de crueldade apenas. Uma reação totalmente desproporcional, fora de
qualquer parâmetro de humanidade. A desproporcionalidade é tanta que sequer
cabe comparar à “Lei de Talião”. Foi um ato de banditismo mesmo. Impensado?
Talvez. Ou com certeza. O problema é que os resultados desse momento “justiceiro”
somente serão apagados com procedimentos cirúrgicos, através de muita dor, num
caminho largo de diminuição e humilhação daquele que passou de meliante à
vítima. Para alma, talvez indeléveis.
Eu mesmo sou defensor de reações
fortes em casos de crimes bárbaros, mas me permito dizer que esse não era o
caso.
Vejam quanto há de inutilidade, descabimento
e maldade contidos nesse crime inusitado. A “animaleza” e frieza dos criminosos
é chocante. Houve tempo para arrependimento, para repensar a atitude. Mas eles
seguiram adiante.
É impossível para um ser humano que
possui um mínimo de bom senso e bondade no coração, permanecer inerte ao fato e
não se comover com tamanha crueldade e prevalecimento.
A sociedade necessita, com
certeza, de mais empatia. Os argumentos de que estamos fartos de
impunidade, de injustiças e tudo mais, não cabe nesse caso. Não há desculpas
para a barbárie.
Até mesmo porque muitas dessas
pessoas que assim argumentam, não são exemplos de honestidade, de retidão de
caráter ou hombridade. Nesse sentido, vi uma charge muito feliz acerca do
assunto (não sei o autor) em que pessoas defendiam esse ato horrendo, enquanto
em suas testas estavam tatuadas sentenças como: “eu desvio TV a cabo”, “eu
compro fiscais”, e por aí vai.
Vejam o quanto é complexo e
distorcido o senso de correção das pessoas. Os valores estão invertidos, as
coisas estão literalmente fugindo ao controle.
Atitudes e crimes como esse estão
muito, mas MUITO à margem de uma sociedade que busca ser mais justa,
equilibrada e igualitária. Na verdade, estão totalmente na contramão do que
devemos cultivar e praticar em nosso dia a dia.
Como pai de família e cidadão, entendo
a revolta mediante tudo que vemos de errado todos os dias.
Mas como ser humano e defensor do
Direito e dos direitos das pessoas, tenho a mais ABSOLUTA CONVICÇÃO de que este
não é o caminho a ser trilhado. Mais do que isso, creio que nossos conceitos
devem ser repensados com urgência, especialmente em um momento tão conturbado e
incerto como este em que estamos vivendo, imersos em questões tão preocupantes e
nada promissoras.
Colocar-se no lugar do outro é necessário,
para que possamos conter nossos ânimos e instintos mais injustos, vergonhosos e
irracionais.
Sejamos defensores dos nossos
direitos, ávidos em proteger e auxiliar os nossos, proativos e atuantes,
contestadores e bravios. O mundo realmente precisa disso. Mas não ultrapassemos
a linha do aceitável, do correto. Guardemos as devidas proporções e a medida da
justiça em nossas reações e atos. Que nossas mãos estejam limpas... que nossa consciência permanece leve.
Afinal, o que temos tatuado em
nossos corações?
Bagé, 13/06/17
Caine Garcia
Gostei. Peço licença para compartilhar entre meus amigos e alunos!
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