Pessoas como
Antônio Augusto Fagundes, o “tio Nico”, são trincheiras da nossa tradição.
Talvez sejam a última fronteira que separa aquilo que cultuamos e veneramos, a
nossa cultura mais genuína, de um futuro obscuro e incerto para o qual
marchamos, reservado pelo tal progresso a praticamente todos os costumes, raças
e povos existentes no mundo.
Qualquer ser
humano é insubstituível e quando realiza sua passagem, certamente deixa um
vazio que jamais será preenchido, no seio familiar e no convívio social.
Contudo, algumas pessoas vêm ao mundo para desempenhar tarefas e funções de
suma importância, fazendo isso de uma forma tão particular e competente, com
tanta desenvoltura e simplicidade, que é inimaginável que se pense que, em
algum momento, será possível sequer aproximar-se dos feitos por elas
realizados. O tio Nico era uma dessas pessoas.
De uma forma
geral, acredito que não exista alguém no Rio Grande que não conheça ou que não
tenha ouvido falar muito do apresentador, historiador, antropólogo, poeta,
diretor, roteirista, advogado, enfim... do gaúcho e mestre Nico Fagundes. Quem
nunca formou ou finalizou uma frase com o bordão mais conhecido do RS: “até
domingo que vem, gaúchos e gaúchas, de todas as querências”...?
A trajetória
de um homem é quem melhor conta sua história, é quem melhor nos diz quem ele é,
foi e/ou continuará sendo.
Antônio
Augusto Fagundes não se resume ao seu lado mais conhecido, visto e apreciado no
Galpão Crioulo. Sua importância vai muito além disso. Quantos artistas e
talentos do nosso Estado estão hoje relembrando maravilhosos momentos vividos
junto a este ícone da nossa cultura, muitos tendo sido inclusive revelados e
incentivados por ele? São inúmeros os relatos – e fatos - que concretizam e afirmam a imagem e o caráter
de uma criatura carismática, talentosa e de memória inigualável, possuidor de
um cabedal de conhecimentos sobre sua aldeia simplesmente incomensurável. Infelizmente,
não teremos como nos apoderarmos disso. Pelo menos, não inteiramente. Porém, a
obra e o feitos deste homem haverão de nos levar a um caminho onde possamos, no
mínimo, absorver parte dos seus ensinamentos, o que certamente já é de extrema
valia.
Antônio
Augusto Fagundes parte mas deixa um legado a ser seguido, um rumo a ser
perpetuado. Não há como obstar o que ele semeou em nossa cultura e que perpassa
o que dizem suas maravilhosas e singulares poesias. Seus rastros na história e
na cultura do Rio Grande são indeléveis e certamente serão seguidos por vários
de nós, combatentes do exército cultural gaúcho.
Aquele que
cultua e luta pelos costumes de sua terra e de sua gente, ao manter-se
arraigado em sua cultura, certamente projeta-se ao futuro, sendo alguém além de
seu tempo. São pessoas raras, incomuns, possuindo dons e uma fibra que a outras
não foram dados. São líderes natos, abençoados com a capacidade de abrir picada
para nossa gente, quando tudo mais parece nos cercar e convidar à mudanças
aparentemente benéficas, mas que acabam por dizimar nossa estirpe e deturpar
nossa descendência.
Tio Nico escreveu
, no clássico “Origens”, algo muito próprio para este momento:
“Eu sei que não vou morrer
Por que de mim vai ficar:
O mundo que eu construí
O meu Rio Grande o meu lar!
Campeando as próprias origens
Qualquer guri vai achar”
Somente
ele para deixar uma mensagem até certo ponto confortante para este momento de
lapso cultural que parece apropriar-se de nossa história. Em sua simbiose com
nossa terra, a imagem do homem é praticamente a mesma do Sul. A distinção é
meramente conceitual.
Certamente,
a partir de hoje, ergue-se uma lacuna na cultura rio-grandense. Contudo, também
haverá muito a ser encontrado, estudado, aprendido, admirado e praticado.
Qualquer guri vai achar... é só querer. Só depende de nós a continuação de um
trabalho que foi realizado com muita dedicação ao longo de décadas. Somos guardiões
desse patrimônio que nos foi deixado.
O
Rio Grande não terá outro Antônio Augusto Fagundes, assim como também não terá
outro Jayme e tantos mais que já cumpriram sua etapa terrena, neste tempo... o
golpe foi forte, mas o próprio Nico viveu sua vida a fim de preparar nossa
gente para isso: absorver o que o dia a dia e o futuro nos reservam, mas seguir
em frente, com as raízes bem fincadas no chão.
Te
agradecemos, mestre. Choramos, ficamos de luto, mas também estamos felizes por
termos tido a oportunidade de conviver contigo e, de alguma forma, presenciar e
saber de tua importância para a nossa cultura, nossa gente e nossas história. Haveremos
de honrar-te e, por meio de toda a tua contribuição, perpetuaremos da melhor
forma aquilo que bem nos ensinaste: ser Rio Grande no cerne e na essência, com
autenticidade e simplicidade.
Ainda
que vires a cabeça para o Alegrete, queremos que saibas que todo o Sul te
pertence, todo o Rio Grande é tua pátria.
Gracias
mil, um grande abraço nosso, fica com Deus, Tio Nico!!! Não abandonaremos a
trincheira!!!