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quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

A NEGLIGÊNCIA



A negligência é um grande problema. E o que a torna mais perigosa é o fato de que a negligenciamos. Algo meio surreal... e irônico.
Quando a negligência se torna rotina, deixamos de percebê-la, não atentamos para os riscos que ela nos traz.
Dificilmente ela surge de forma abrupta, geralmente vai nos envolvendo, vai adentrando nossas vidas pelas frestas do cotidiano, pelas frinchas do descuido, entre as sombras do desmazelo. Quase sem perceber, negligenciamos grande parte das coisas naturais e que nos fazem tão bem para sermos absorvidos por coisas insignificantes, que não acrescentam nada, ou que não agregam fatores positivos a nossa alma.
Não raro, negligenciamos a essência humana, para mergulharmos, absortos, no afrodisíaco paraíso das bestialidades materiais, na mais legítima ostentação do ter, sempre em detrimento do ser. São os descaminhos da vida, as luzes falsas do mundo, oásis imaginário em meio a desertificação do benquerer.
Até mesmo a Bíblia, livro que atravessa os séculos e lida com o poder da fé, possui momentos nos quais podemos verificar a constante preocupação com a capacidade que nós, seres humanos, temos de agir com desleixo e descuido. Vide, por exemplo, Hebreus 2:1-4.
A negligência age em nossas vidas em contraponto: ora somos vítimas, ora somos vilões. Vivemos num misto de mocinho e bandido. Por vezes, somos os dois lados da moeda. E, com toda a certeza, sempre somos atores.
Quanto de negligência há na tão badalada prática do desapego? Por certo, poucos param para pensar sobre isso. E quando se dão por conta, já negligenciaram.
A negligência no trabalho, gera a despedida, a rua.
A negligência na família e nas amizades, gera o abandono, o desafeto.
A negligência no amor, gera o seu oposto ou a indiferença.
A negligência na vida, gera a morte. Mesmo que em vida.
Muitas vezes, os danos causados pela negligência são irreparáveis.
Negligenciar o que realmente tem importância, é estar com os dois pés fincados no inferno do “pouco caso’. É navegar no mar revolto do “pouco me importa”, que acaba sempre levando nossos barcos para o porto da angústia, da solidão, do medo e da frustração.
Em regra, não temos tempo para negligenciar a vida. Mas, por natureza, negligenciamos regras.
A negligência é uma arma apontada contra o bom senso, pronta para destruir nossa consciência, para animalizar e canibalizar nosso coração e nossos sentidos. Ela afeta, deturpa e destrói nossa humanidade.
Estabeleça uma meta: NÃO NEGLIGENCIAR. Talvez não seja fácil, mas certamente pode ser compensador e edificante perceber que é possível lutar contra nossas próprias falhas, nossos próprios desvios de caráter e conduta.
Não somos perfeitos. O fato é que precisamos melhorar e progredir sempre. E não podemos negligenciar isso.

(imagem: Google/internet, sem autoria)

Caine Teixeira Garcia.

Bagé, 26/01/2017
 


sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

BREVES REFLEXÕES SOBRE POESIA

Por vezes alguns assuntos me inquietam, e quando julgo necessário escrever sobre eles, assim o faço.
Estava lendo e analisando  poemas de autores mais antigos e renomados, como Manoel de Barros, Castro Alves, Álvares de Azevedo,  Mário de Andrade, Machado de Assis,  Basílio da Gama e outros tantos.
Ao analisar os versos, não pude deixar de pensar que a poesia mudou completamente, no tocante à forma como é pensada, elaborada, escrita e lida. Levando em conta, logicamente, a questão temporal, social, política,  econômica e demais importantesaspectos de influência, não há como negar que a poesia está mais democrática e popular. Em que pese o fato de que perdeu um pouco de seu "glamour", é gritante que se tornou mais acessível e popular.  Muitos dirão que perdeu-se um pouco da "intelectualidade" poética,  e isso também é fato. Mas essa suposta - e muitas vezes real - intelectualidade, por muito tempo serviu, me parece, apenas para elitizar a poesia e seus operadores, de uma forma que o conteúdo poético, por vezes, era o que menos interessava. Bastavam boas roupagens de um português correto e rebuscado,  para que algumas poesias fossem classificadas como ótimas, e seus autores como deuses. Um pouco dessa mentalidade ainda persiste hoje em dia. Avesso a esse pensamento, e sem negar que provavelmente tenhamos muito mais poesia de menos qualidade atualmente, também vejo que é notório que existe uma maior produtividade.  Embora, nesse caso, seja válida a qualidade e não a quantidade,  precisamos perceber que essa maior democracia e o caráter cada vez mais popular da poesia,  gerou uma quantidade enorme de novos poetas produzindo muitos versos, se expressando muito e, consequentemente,  aumentando a quantidade de produções com qualidade.
A poesia, em outros tempos, mais do que pomposa, era um tanto arrogante. Embora sedutora, enigmática e desafiadora,  não era agregadora e inclusiva.
Não raro, era um amontoado de palavras difíceis, que sequer compunham cenários e visões de sonhos aos seus leitores. Muitas construíam  apenas  um muro imaginário  - e quase intransponível  - de castas culturais.
Viajando em minhas reflexões para as questões regionais,  onde sou um dos "poetas" que circulam suas produções  nesse meio que é  tão peculiar e cheio de singularidades,  por vezes me questiono qual a diferença entre "letra" (termo tão utilizado em nossos festivais e por praticamente todos os autores) e poesia. Parece fácil entender e verificar que nem sempre uma letra pode ser classificada como poesia.
E o que temos produzido?
Devido ao nosso "nicho" de mercado poético/cultural, me obrigo a dizer que muitos de nossos poetas encontram-se tolhidos em sua produção e capacidade poética, pois o meio exige sempre uma questão muito pontual nos versos, muito regional, muito bairrista, até.  Embora sendo universal,  por questões muito nossas, temos dificuldades em progredir a ponto de vermos poetas falando em vários temas sem que, em algum momento, sucumbam a tentação de regionalizar o verso. E não estou falando aqui que devamos perder nossa identidade, nosso sotaque cultural. Apenas que, talvez, também estejamos "elitizando"  nossa poesia, de uma forma até,  quem sabe, inconsciente.
Me parece que Luiz Coronel é um dos poucos exemplos que, ao meu ver, consegue muito bem representar nosso Rio Grande de uma forma regional e universal, transitando e sendo aceito de forma quase unânime em todos os "ambientes poéticos".
Temos feito poesia? Ou temos "acolherado"  palavras e rimas? Quantas produções poéticas nos remetem realmente a momentos que nos fazem imaginar cenários e questões nostálgicas,  ou presentes e futuras; que nos instigam, nos desafiam, nos obrigam a enfrentar questionamentos  filosóficos de tempo e de mundo?
Estamos produzindo para alguém ou para algo? Por que estamos produzindo? Precisamos de motivos?
Será que termos como samba, bagual,  chinoquinha,  baeta vermelha, e outros tantos - que também os uso - ainda são capazes de moldar uma verdadeira poesia original, timbrada em inspiração que não seja de uso exclusivo para ajuda de custos e premiações em festivais ou outras competições?
Quem julga nossas poesias? O que produzimos  em termos de eventos representa uma verdade poética/ cultural? A existência  dos eventos
atuais - maioria de cunho competitivo  - representa o que somos e o que queremos em termos culturais?
Esse é o nosso formato? Precisamos de um formato?
Quem julga nossa poesia? Ela precisa ser julgada? Se precisa, os que julgam tem tido a capacidade necessária para fazê-lo? Temos criado artistas, poetas, pensadores ou santos de barro? Qual nossa parcela de contribuição e de responsabilidade?
Ainda fazemos poesia?
Não sei.
Cantemos e poetisemos nossa aldeia. E nossa aldeia é o mundo.
Ser nativo impõe limites?
Qual o ponto de equilíbrio?
Fico a pensar...