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terça-feira, 1 de março de 2016

DE ESPORAS CALÇADAS


DE ESPORAS CALÇADAS


A madrugada, preguiçosa e cálida
Tece um silêncio incomum!
Nem corujas, em seu mau agouro
Nem alaridos do vigilante quero-quero...
A natureza parece estar adormecida
Burilando saudades e nostalgias
Nestes remotos recantos do sul...

O vento manso, sereno e morno
- Que varre o ventre do galpão
Conta das chuvas que se avizinham...
Ouve, impaciente, o estertor do fogo
Que mal e mal aquenta a cambona...
Parceiro desse meu tempo solidão
Sopra o braseiro, incitando à vida!

Um ovelheiro chaira a preguiça
Bem recostado, num mangrulho,
Enquanto outro ressona as horas
No catre bueno dum doze braças...
- esquadrinhadores de campo e lida!
...o lampião antigo atrai as mariposas
Para uma dança prenhe de luz...

Adiante da porteira, outro cenário:
Os pirilampos plagiam estrelas
Que rasgam a escuridão silente...
... sina eterna de ser - e viver - luzeiro!
Quase sepulcral, é imensa a quietude:
Nem bruxas rondando a cavalhada
E nem gadaria ecoando um missal...

Encravada num céu de setembro
- qual fosse mesmo um balaço no breu
A velha boieira, sinuela e madrinha,
Causa inveja aos olhares da lua...
A noite pari uma estrela cadente
Que ruma, rutilante, ao banhado
Adormecendo entre brejo e canhada...

A letargia só é bulida pelas esporas
Que, sonolentas, ainda calço!
Me agrada o seu tilintar baldoso...
Um ou outro ruído ainda se ouve,
Das janelas e portas arrenegadas,
- Em suas vozes de velhas dobradiças...
Querendo mais, embalar o tempo...

O chimarrão charla com o vento
Na bomba que ronca, com sede
Parecendo ecoar longe, no pajonal...
Algum mistério de outras eras
Parece abraçar pampa e caserio,
Repousando dentro da alma,
Quem sabe, a curar dissabores...

Há algo mais, que não cabe à visão,
Tão perdida, no que os olhos veem...
Imperceptível a ouvidos moucos,
O silêncio teima em falar de vida!
O luar que vem beijar os plátanos
Confunde-se entre prata e verde
Em copas grandes, parteiras de sombra...

Enigmática madrugada primaveril,
Sem cargas de cavalos na eguada
E sem algazarras pelos caponetes...
Inúmeras metáforas para o momento,
Frente à realidade pura e insistente,
Que habita a simples complexidade
De ser, em completude... querência!

Talvez o aroma inebriante das flores
Tenha embriagado essas sesmarias...
A mim, tocou uma senda contrária:
Noite e madrugada indormidas!
O pensamento pujante de anseios,
Absorto na plenitude ao redor,
Reverberando o que pulsa no peito...

É flagrante que se achega o dilúculo,
Espraiando as frinchas do arrebol,
Que apeia, apojando um novo dia...
Como feitiço desfeito, tudo renasce!
A campanha se espreguiça, plena...
Berram tambeiras e a terneirada,
E o pingo afoito, pede milho e buçal!

Aspas se afiam num cupim, ao longe,
E um galo afina o canto, no terreiro...
O sol vem repontando o ritual,
Sem respeitar os flagelos da insônia.
Cada detalhe desse novo amanhecer
É um madrigal com gesta terrunha,
Orquestrado em dialetos silvestres...

O inverno, por certo, sequer imagina
As belezas que a primavera abriga...
Se soubesse, não mais seria estação!
Embretado em meus desassossegos,
Me perdi nas horas, que cruzaram largas...
O alvorecer, indelével, chama à faina
Ao taura que honra o compromisso!

Venço o cansaço, pois é meu costume
Singrar madrugadas – e meu interior...
A mão canhota embuçala a certeza
De que a lida bruta irá lamber feridas
Que o mate lavado, ainda não curou...
No bico do hornero, já nasceu o dia
Nestes remotos recantos do sul!

Quem pode mais, chora bem menos,
É lei da vida, que ao certo, não falha!
Faço o que me gusta, garanto o sustento,
Pela campanha – e para minha alma...
Indo pro embate, enquanto pito, penso:
O campo eterno, meu velho parceiro,
Já me espera, de esporas calçadas!

2º Esteio da Poesia - 2º Lugar poesias (Caine Garcia), Melhor intérprete (Jair Silveira), Melhor amadrinhador (Zulmar Benitez) e Melhor Trabalho em palco.




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