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segunda-feira, 1 de setembro de 2014

ME ARRENEGUEI...


Me arreneguei... e “rasguei a poesia”!
Não era eu naquela folha...
...quiçá, meus sonhos... por entre as linhas.
Eu até tentei ser tudo aquilo,
mas, quando dei por mim, já não podia...

Não era eu naquele pingo
tosado bem a capricho...
Nem era meu aquele cusco
campeando a sombra do estrivo...
Não, definitivamente, não era eu!

Não me reconheci, bem enforquilhado...
E aquelas mãos, tão calejadas,
me causaram estranheza!
De pronto, o papel foi rasgado,
e a poesia, em pedaços – coitada
se esparramou sobre a mesa...

Naquele momento, entendi:
Não havia mais como prosseguir,
pois me pareceu que escrever
e criar cenas e cenários
sobre o que não mais hei de ser
seria simplesmente mentir...

Ainda que exista certa liberdade
Para os caminhos de um poema
seria faltar com a verdade
inventar, assim, uma realidade
que, com certeza, já não vivo...
embora a dor e a saudade
sobrevivam em minhas penas....

Aquele laço tão campeiro
- feito do melhor couro havido
e tão bem atado nos tentos
se desprendeu pelo espaço
só prá enlaçar sofrimentos...
Pois que abandone os "alfarrabos"
prá descansar – sem mais ser lembrado
no chão duro do esquecimento...

Escrever sobre um doze braças,
Que laça somente quimeras?
Cortar o rastro de um turuno
- destes “reiúno”, sem costeio
que só no verso atropela?
Como então, parar um rodeio
sem cruzar várzea e cancelas?
Se a vida planta negaceios
A alma colhe as mazelas...

Ah, este lugar em que moro
não é um rancho em sapê...
E fica aqui na cidade, aonde,
prá bem dizer a verdade,
quase não vejo o sol nascer...

Esporas, só numa parede...
Onde ousei deixar de enfeite
- a contragosto da mulher
Pois mesmo triste, é um deleite
Saber que um dia, fui “gente”
E soube sim, usar os “talher”...

Mas hoje eu me arreneguei...
E rasguei a poesia!
Querer, eu até não queria...
Mas, quando percebi,
Não mais teve jeito...
“Tava” feita a judiaria!

...quando saí do meu mundo
vendi uma pontinha de gado
que tinha, lá na Bolena...
Vendi gaiota e os aperos,
mas deixei meu cusco ovelheiro
junto com o zaino bragado...
Estes, ficaram prá meu pai!
Talvez, um quinhão de dor,
mas era prá ser um regalo
e não uma tristeza a mais...

Desde então, não há surpresas...
Não sei se vivo de saudade
- ou se morri no passado!
Sei que a vida não é a mesma...
O meu velho ficou arrasado
quando eu deixei lá fora,
toda a constância que há na ausência....
Ficaram, em minha querência,
Sesmarias de sonhos – e de dor...
E a minha própria alma em flor
sentenciada a viver presa!

Vivo a pintar matizes
Que não existem em minha vida
Pois só o preto e branco dos tempos
É que habitam os meus dias...

Não há ponchos pingando água
Nem mate gordo, frente ao fogão...
...há uma varanda, abrigando nada!
E nela, uma linda sacada..
Eternamente voltada
para as várias faces da solidão...

Não há um rio para cruzar tropas,
com valentia, a bolapé!
Há uma ponte - que o olhar me corta,
mostrando a vida, como ela é...
Um grande terço de penas
e algum resquício de fé!

O abajur não é um candeeiro
nem um luzeiro, prá quem retorna...
O meu cigarro, não é um palheiro
desses, bem buenos... da palha grossa...
Nem o lugar tem o aroma, o cheiro
que só o campo nos proporciona!
Eu que dormi, sob lua e cruzeiro,
Hoje, no frio urbano da cama
rumino vida e insônia...

Não, não era eu naquela folha.
Pode até que tenha sido...
Mas não mais, isso eu sei!
Por isso, me arreneguei
E rasguei o que havia escrito...

Eu pensei que ia voltar...
Mas não voltei!
Tinha coisas prá falar, mas...
Não falei!
Vivo a ausência de abraços
daqueles – e daquilo
que pouco ou nada abracei...

Lembro o olhar de minha mãezinha
Quando soube que eu queria
Estudar mais...e ser doutor!
Era um misto de alegria
Com uma tristeza daninha
Envolta em lágrimas de amor...

E seus conselhos foram tão sábios!
Parece que ainda vejo aqueles lábios
Me dizendo, com doçura,
permeada por firmeza:
- meu filho, segue o teu rumo
e ouve bem tua razão...
Só não esquece, que na vida
Dos motivos mais profundos
- e das coisas de mais valia
Quem sabe mesmo, é o coração...

...a mesma estrada que leva
tem em si, os caminhos da volta...

Mas não...não no meu caso...
Não para um teimoso!
Que um dia partiu, todo garboso
Prá principiar seu ocaso...

Enfim... e por fim,
rasguei mesmo a poesia...
e ao rasga-la, me fiz réu confesso!
Sempre fui eu no poema...
Um “eu” não realizado
De corpo e alma, cansados
De tanta vida vazia...

Eu sei que amanhã – novamente
Irei ficar frente a frente
Com a tão malvada poesia
- sangrando pena e papel...
Pois sendo ela imortal
Trás seu traço sem igual:
De renascer todo dia

Qual lua e sol - lá no céu...

Caine Teixeira Garcia

Imagens da internet (casa do poeta, senão me engano - Google) abaixo, link para declamação da poesia, com Jair Silveira e Gustavo Campos.

https://www.youtube.com/watch?v=DgAbh7tsmKo

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