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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

UM LUGAR QUE CALA

A origem do termo “LUGAR DE FALA” é, levando-se em conta os textos mais populares e atuais, reconhecida como proveniente do feminismo dos anos 80. Consta que teria aparecido pela primeira vez no artigo “O problema de falar pelos outros”, de Linda Alcoff, filósofa panamenha, bem como em um texto da professora indiana Gayatri Spivak (ensaio “Pode o subalterno falar?”).mTrata-se de algo inerente a questões que versam sobra a “voz de minorias”.
Como não poderia deixar de ser em se tratando de luta por espaço e aberrações sociais da humanidade, o conceito fugiu ao entendimento original e ganhou análises e compreensões diferenciadas, além de usos práticos e intenções de uso.
Seguindo uma lógica que a meu ver é totalmente distorcida, há uma defesa de que apenas mulheres poderiam se manifestar sobre feminismo e machismo, por exemplo, e apenas negros e indígenas poderiam se manifestar sobre racismo, apenas LGBTs poderiam se manifestar sobre homofobia e transfobia, e assim por diante. Isso exige e define o “silêncio” de quem não possui “vivência”.
Contudo, é fácil de percebermos o quanto isso é uma aberração, pois o atualmente tão aclamado “lugar de fala” deve ser considerado para além do ativismo, já que as questões sociais e os posicionamentos acerca de cada uma delas não pode estar exclusivamente atrelado às vivências pessoais, existindo inúmeros outros fatores relevante que as impactam e permeiam. Portanto, “lugar de fala” é um estabelecimento de maturidade e consciência quanto à credibilidade e autoridade aposta ao discurso a partir DE ONDE SE FALA e não um autorizador ou inibidor de manifestações e opiniões.
A “autoridade” no lugar de fala nasce de uma qualificação a partir do conjunto de informações, pertença, vivências e estudos que se possui, pois ela não é inata E NÃO SE CONFIGURA por simples pertença, tampouco se dá exclusivamente por “vivência” ou por mero estudo formal. Dessa forma, é fácil entender que cada questão possui diversos e variados lugares de fala.
O fato de mulheres serem as vítimas mais óbvias do machismo, por exemplo, não as faz automaticamente a “única autoridade” sobre esse tema, que inclusive aflige a sociedade como um todo. Vejamos que o machismo é criado e exercido majoritariamente pelos homens.
Se falarmos do racismo, veremos que há negros com muito menos autoridade de lugar de fala que brancos, pois só o conhecem com a percepção do vivido, e o desconhecem teoricamente e tampouco em contextos diversos. Não raro, existem afirmações de alguns de que não possuem vivência alguma.
Portanto, essa absurda reivindicação de exclusividade no tocante ao “lugar de fala” nada mais é do que um autoritarismo às avessas, fruto de delírios ativistas e ideológicos.
É sabido que as minorias ainda ocupam poucos espaços políticos sendo, portanto, menos representadas e, por consequência, menos ouvidas. É nesse contexto que temos a importância do “lugar de fala”, que deveria ter como objetivo oferecer visibilidade a sujeitos/grupos cujos pensamentos são desprestigiados ou desconsiderados ao longo do tempo. Por isso, ao tratarmos de assuntos específicos a um grupo, como racismo e machismo, pessoas negras e mulheres possuem, respectivamente, “lugar de fala”, oferecendo e oportunizando um olhar sobre o tema que pessoas brancas e homens talvez não tenham. Contudo, isso não significa em hipótese alguma que se deva calar ou cercear o direito de manifestação das demais pessoas que não fazem parte desses grupos. Ao contrário, “lugar de fala” significa ABRIR ESPAÇOS PARA MANIFESTAÇÕES.
É um equívoco gigantesco achar que o “lugar de fala” tem como objetivo restringir a troca de ideias, encerrar discussões ou impor um ponto de vista, pois o que se deve buscar é oportunidade de que “excluídos” ou discriminados possam se expressar livremente em sociedade, buscando um tempo mais solidário e igualitário.
Reivindicar a superioridade absoluta da autorrepresentação, recorrer à interdição da fala que não se situa na minoria e à inspeção constante para verificar se essas duas premissas são integralmente cumpridas em todas as formas de expressão artísticas, científicas e políticas é praticar um novo tipo de violência social.
Isso é recorrente no âmbito da militância do “lugar de fala”, que tem crescido de forma totalmente intolerante e agressiva, tentando sufocar debates que são essenciais.
NADA que busca calar, suprimir ou castrar o diálogo e o debate pode ser considerado como benéfico ou democrático.
O “lugar de fala”, antes de tudo e também, deve ser lugar de “escuta”, de “troca”, de “tolerância”, de “empatia”, de “aprendizado” e de “evolução”.
Sim, tem gente militando errado sim.
Não façam do lugar de fala um novo fundamentalismo político ou mais uma ideologia rasteira e tola. Não queiram monopolizar a fala.
Não ajam como aqueles que tanto vocês criticam.
 
Caine T. Garcia
11/02/21
 

 

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