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segunda-feira, 3 de setembro de 2018

A GENTE NEM PERCEBE


A vida passa – e nos transpassa - e na maioria das vezes sequer percebemos.
Um dia simplesmente deixamos de dormir na cama de nossos pais - e era tão bom! Mas quando foi que isso ocorreu? Se aconteceu naturalmente, é muito difícil de lembrar.
Acredito que temos mais facilidade para lembrar de momentos pontuais que possuem os seus rituais, com “pompas e liturgias”. Lembramos das novas escolas, dos novos cursos, das formaturas. E, obviamente, dos traumáticos. Mas não quero falar de traumas, e sim dos últimos momentos e encontros que aconteceram de forma natural, de maneira trivial.
Lembra daquela turma que se reunia pra jogar vôlei na hora do recreio, do pessoal que saía junto pra “boate”, pra “discoteca”? Quando foi que isso parou de acontecer?
Qual foi o último dia em que jogamos bola na rua, no campinho da esquina? Quando foi que aquela turma tão especial deixou isso pra lá? Quando é que o futebol do final de tarde deixou de ter importância? Como não percebemos que aquilo não iria mais acontecer?
A vida nos entrega tempo e nos absorve. Nos obriga a prosseguir. Não apaga o passado, mas entorpece lembranças.
O que faríamos se tivéssemos a possibilidade, a dádiva de sabermos que determinados momentos seriam os últimos? Ou que jamais seriam como antes? Estou falando dos momentos simples, mas extremamente complexos na felicidade que representavam.
Se tivéssemos esse dom, provavelmente aquele último jogo com a turma do bairro fosse um momento mais do que especial. Talvez ao final houvesse abraços, reconciliações, revelações, lavação de roupa suja, pratos limpos e muita nostalgia. Só de pensar nisso dá uma aflição, num misto de bom e ruim, de ótimo e péssimo.
Aqueles colegas e amigos que marcaram nossas vidas e que foram tão presentes em nossa infância, adolescência e juventude: quando foi que paramos de encontrá-los? Quando foi que deixamos de dar importância? Por que não sustentamos os vínculos? Por que o destino nos tornou tão dispersos? Foi puro desleixo?
Onde estão aquelas pessoas que acreditávamos que iríamos encontrar sempre, da mesma forma e com a mesma habitualidade, mas que simplesmente não vimos mais.
Quando foi que pararam de nos chamar por aquele apelido que odiávamos, mas que no fundo era quase uma marca registrada? Quando foi a última briga em que nos metemos para defender aquele amigo de fé? Quando foi que deixamos de apertar a campainha dos vizinhos para sair correndo achando a maior graça?
Qual foi o último banho de arroio depois duma enchente, escondido dos pais (isso nunca deveria ter sido feito)?
Quando aconteceu a última fuga para uma festa?
Os agradecimentos que não fizemos. Os telefonemas que não demos. Os abraços que não distribuímos. Os sorrisos que guardamos. As aventuras que postergamos. As promessas que não cumprimos.
Mas principalmente tudo aquilo que fazíamos com tanta naturalidade e com tanto gosto e que simplesmente evaporou, sem momento marcado, sem aviso prévio, sem reflexão, sem “quem sabe um dia”. Onde isso tudo se perdeu, em que momento virou pó?
É temeroso pensar que a qualquer instante podemos estar indo para a última partida de futebol no campinho. Para o último jogo na rua. Para um último “até amanhã”! Para um derradeiro “tchau”!
Talvez não existam mágoas, arrependimentos, choro ou frustrações sobre isso. Na maioria das vezes esses momentos foram desprovidos de despedidas. Simplesmente aconteceram. Ou deixaram de acontecer.
Mas pelo menos para mim, quando paro pra pensar, certamente há um pouquinho de dor. E um outro tanto de vazio.
Pois aproveitemos. Sejamos os mais sábios possíveis dentro de nossa imensa ignorância. Realmente ninguém sabe o dia de amanhã.

Caine Teixeira Garcia
Imagem Google/Internet


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